Sobre processos de transformação
"A vida não é só ontem nem fica explicada quando se reduz o hoje ao ontem. A vida também é amanhã; só compreendemos o hoje se pudermos acrescentá-lo àquilo que foi ontem e ao começo daquilo que será amanhã" (Jung, C. G. OC 7/1 p.57)
Os primeiros dias de um ano podem mobilizar uma série de conteúdos em nós mesmos e também nos pacientes. O momento do encontro dos últimos dias de um ciclo com os primeiros de outro carrega consigo uma imagem de encerramento e recomeço, uma espécie de janela aberta à transformação. Doze meses se passaram, uma totalidade em si mesma, com início, meio e fim. Não por acaso atualizamos nossas metas e renovamos nossos desejos para o ano que segue: sentimos nesse espaço a possibilidade de nos preparar para viver um novo ciclo, mas de um jeito diferente porque já não somos os mesmos. É quando se abre diante de nós a possibilidade de rever o que passou e planejar o que será.
Podemos descrever a relação do ego com o Si-mesmo como a de um pequeno ponto se movimentando em torno de um centro, num movimento circular que constitui uma totalidade. Essa é a lógica do processo de individuação e também o motivo pelo qual precisamos passar tantas e tantas vezes pelo mesmo assunto em psicoterapia: cada volta em torno de um tema é uma tentativa, uma possibilidade de transformação, não apenas do tema, mas da personalidade total.
Estar vivo é estar continuamente em transformação. Essa palavra, que se origina do latim, é composta por trans (através) e formare (dar forma). É o processo através do qual se dá forma a algo. Em nossos rituais celebramos a morte de algo que se foi. E através desse processo damos forma a algo que virá. Esse tema tão profundamente enraizado na humanidade se repete ao longo dos costumes, dos mitos, das eras. Foi assim com Core, que se transformou em Perséfone através de um mergulho nas profundezas. É assim conosco: seja com o jovem que marca heroicamente o seu ingresso na sociedade através de uma serie de rituais de iniciação ou com a pessoa na metade da vida, cujos processos de metanoia exigem uma revisão não menos heroica da adaptação conquistada até então.
Aquilo que é cura em um momento da vida pode se tornar neurose num outro momento. Tudo aquilo que estanca o vir a ser de nossa personalidade pode se tornar prejudicial, pois o movimento faz parte da vida. Nesse sentido, é compreensível a celebração de virada de ano, dos aniversários, dos encerramentos e dos recomeços: são pequenas chances de renovação, de transformação. Para Jung (2014b, p. 57), “a vida não é só ontem nem fica explicada quando se reduz o hoje ao ontem. A vida também é amanhã; só compreendemos o hoje se pudermos acrescentá-lo àquilo que foi ontem e ao começo daquilo que será amanhã”.
Aqui no Instituto PSIADI separamos alguns momentos para nos despedir dos alunos que estão se formando e também para receber aqueles que chegam. Dessa forma celebramos, a nosso próprio modo, o movimento de transformação que é natural a todos os processos da vida. Deixo aqui a nossa mais profunda gratidão a todos aqueles que estão se passaram e que ainda vão passar por nós.
Daniela Miyahara
Instituto PSIADI [Psicología Analítica e Diálogos Interdisciplinares]
Referências:
JUNG, C. G. Os Arquétipos e o Inconsciente Coletivo. Petrópolis: Vozes, 2014
JUNG, C. G. O eu e o inconsciente. Petrópolis: Vozes, 2015
JUNG, C. G. Psicologia do Inconsciente. Petrópolis, Vozes, 2014b
Transformação. Origem da Palavra, 2024. Disponível em: https://origemdapalavra.com.br/palavras/transformacao/. Acesso em: 04/01/2024
Daniela Miyahara é especialista em Psicologia Junguiana, graduanda em Psicologia e graduada em Arquitetura e Urbanismo. Atua como mediadora de grupos de estudo em Psicologia Analítica. Desde 2022 faz parte da equipe do Instituto PSIADI, que promove cursos de Psicologia Analítica e Diálogos Interdisciplinares. Contato: (14)991053026; @danielamiyahara.psi; [email protected].