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Metamorfoses da teoria e do terapeuta

Minha jornada com a psicologia de Jung começou há dez anos, quando um livrinho despretensioso caiu por sincronicidade em minhas mãos. Soube, intuitivamente e desde o primeiro instante, que uma porta se abria para algo grande e desconhecido. Foi um daqueles momentos divisores de águas, em que a vida adquire uma nova camada de sentido.

Preciso ser sincera com você. Quando digo que eu soube por meio da intuição, não é um exagero ou algum tipo de gracejo para ostentar minha função dominante. Num primeiro contato, não entendi quase nada daquilo que estava escrito. Não era um livro introdutório, mas sim uma coletânea de palestras que falavam sobre a “arqueologia da psique”.

Recém chegada na faculdade, ainda aprendia sobre anatomia e processos psíquicos básicos. A ideia de uma arqueologia da psique trouxe um vislumbre sobre a complexidade de algo que eu ainda não alcançava - e, para ser justa, talvez nunca alcance totalmente.

A justificativa de tamanha perplexidade com a teoria se dá pelo fato de Jung ter traduzido em conceitos coisas que eram inomináveis para mim até então. Me senti pertencente e íntima à humanidade e à mim mesma. Suas inquietações me tocaram profundamente, e eu sabia que ali encontrava mais que uma abordagem clínica. Era um instrumento para a descoberta de mim mesma.

Ao atender os primeiros pacientes durante o estágio, sofri do mal que muitos estudantes e profissionais recém formados sofrem: a tentativa de encontrar a teoria dentro caso. Cadê isso? Onde está aquilo? Imagino que você se identifique com essa insegurança inicial.

É por isso que a análise pessoal é imprescindível. Se você não caminhar em seu próprio processo de autoconhecimento, a teoria não passa de um instrumento inanimado. Após o susto inicial, quando passei a ler os livros corretos, a psicologia analítica foi se tornando cada vez mais clara para mim. Não tinha grandes dificuldades para entender os conceitos. Mas o que me surpreende todos os dias é a forma como a teoria se transforma constantemente.

Conforme avanço em meu desenvolvimento pessoal e, consequentemente como profissional, a psicologia analítica vai ganhando outras cores. Questões que já estavam claras há muito tempo começam a ser aprofundadas em camadas e camadas de complexidade. A teoria é viva porque foi construída a partir do próprio processo de autoexperimentação de Jung. É claro que o processo do autor não deve ser nossa meta ou linha de chegada - podemos tê-lo, no máximo, como exemplo de honestidade e compromisso consigo mesmo.

Uma das partes mais complexas da teoria, que só se torna viva conforme avança a experiência e autoexperimentação, é a da transferência e contratransferência. O desafio é tamanho, que Jung recorreu à alquimia para ilustrar o processo. Para a maioria de nós, inicialmente isso mais complica do que ajuda. O encontro entre o inconsciente do terapeuta e do paciente se dá de forma tão misteriosa, que é necessária uma boa dose de autoconhecimento para atentar-se aos fenômenos como se apresentam. Observar os sonhos, as sutilezas das expressões verbais e não verbais, nossas próprias reações, impulsos e sentimentos - tudo isso é algo que se dá com o tempo e com a abertura. Quando somos iniciantes, a insegurança nos faz querer controlar (inutilmente) todos os fatores do setting, e temos muito medo de nos sentirmos afetados pelos estados do paciente.

Na medida em que ganhamos confiança em nós mesmos e em nosso exercício profissional, cresce também uma estranha fé no desconhecido. Embora seja inegociável o constante estudo teórico, Jung nos chamou a atenção para o contato humano que deve ser estabelecido no processo terapêutico. E só é possível ser inteiro diante do outro quando se conhece a si mesmo. Esse é o maior desafio.

Embora Jung tenha vivido crises significativas da sociedade, como as guerras, e tenha encontrado formas criativas de se conectar com seus pacientes, coube a nós viver a pandemia de covid-19 e adaptar nosso trabalho para o virtual. Uma quantidade muito tímida de colegas ousava se aventurar por esses mares, mas após 2020 a internet e as redes sociais foram vistas como formas interessantes de divulgação e atendimento psicoterapêutico.

Para mim, o online trouxe alcance e visibilidade, mas também o desafio de constante adaptação e ponderação. Se já é difícil compreender aspectos da transferência e contratransferência quando estamos diante do outro em carne e osso, como se dá a interação com alguém que está a muitos quilômetros de distância? Quais são os limites para contatos que se estabelecem em redes sociais, até então utilizadas para comunicação com amigos e entes queridos? E como isso pode afetar o processo terapêutico?

Parte dessa jornada você terá que trilhar sozinho, é verdade, mas te convido a estar comigo no dia 16 de dezembro (sábado) para o encontro “Transferência & Contratransferência na era digital”. Será um momento para vermos e revermos os conceitos básicos, além de nos colocarmos juntos para refletir sobre nosso contexto atual.

O evento será online, pelo Zoom, das 9h às 11h, com gravação. Você pode se inscrever aqui.

Finalizo por aqui, caro colega, e desejo paciência e coragem em sua jornada!

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Rebeca Moreira Nalia é especialista em Psicologia Junguiana (PSIADI-UNINGÁ – 2021). Graduada em Psicologia pela Universidade do Sagrado Coração (2017). Atua como psicóloga clínica desde 2018 (atendimento de adultos e idosos), supervisora, professora e mediadora de grupos de estudos voltados para a Psicologia Analítica. Desde maio de 2022 faz parte da equipe do Instituto Psiadi, que promove cursos focados no paradigma junguiano e diálogos interdisciplinares.

Contato: [email protected]
Instagram: @psico.beca

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